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Foto do escritorAndreia

Porque é tão difícil encontrar casas acessíveis em Toronto?

Leio cada vez mais histórias de pessoas que se queixam que o aluguer do seu apartamento em Toronto está alto demais e não podem pagar. Algumas pessoas até param de pagar em protesto e se unem a outros inquilinos. Como recém-chegada a Toronto, quis entender a situação. Como é possível que o aluguer esteja tão alto? E o que se pode fazer para mudar isso ?



"A realidade para muitas pessoas é que, à medida que a renda e o custo de vida aumentam, o salário permanece o mesmo", diz Jamilla Mohamud, uma urbanista que trabalha no setor privado. Em janeiro de 2023, as diretivas no domínio do aumento dos alugueres de Ontário (ou seja, o valor máximo que um proprietário pode usar para aumentar as rendas sem a aprovação do Conselho de Proprietários e Inquilinos) foram aumentadas para 2,5%. Como resultado, muitas pessoas reclamaram que os alugueres eram muito altos, especialmente em contexto de inflação. Mas o governo provincial justificou o aumento num comunicado afirmando que "de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor de Ontário, a inflação resultaria em 5,3% de aumento. No entanto, a província limitou esse valor para ajudar a proteger os inquilinos".


Além do fato de estar escrito na lei, por que as rendas continuam a subir de ano para ano ?


De acordo com Jamilla Mohamud, "os alugueres continuam a aumentar ao longo dos anos porque as habitações fazem parte do mercado privado no Canadá. As pessoas costumam referir a elas como uma mercadoria e investem nelas para seus benefícios a longo prazo". Embora a crise imobiliária seja um fenômeno global, no Canadá a questão está enraizada na história. "Durante muito tempo, o Canadá não teve uma política de habitação social forte. Isso é algo que foi feito entre 1960 e 1980. A ideia de que um indivíduo era responsável por sua própria casa era normal. E por causa dessa mentalidade, na década de 1940 muita gente vivia em péssimas condições de saúde pública. Então, muitas reformas habitacionais foram reformas de saúde pública, criando casas com mais espaço, luz e melhores condições de higiene para as pessoas", descreve a urbanista.



Como resultado, houve décadas de falta de investimento da parte do governo em mais moradias sociais, controle das vagas ou outros programas que possam ajudar as pessoas a permanecerem nos seus bairros. "Não acho que as rendas atuais precisam ser tão altas. Às vezes, olho para certas casas, os bairros onde estão, o tamanho das peças e as comodidades e veijo que isso não corresponde ao aluguer nem justifica o preço", declara.


Para entender melhor o aumento dos alugueres: vou usar o exemplo de alguém que paga 1000 dollars por mês para o seu apartamento. Com um aumento de 2,5%, essa pessoa pagará 25 dollars a mais por mês ou seja 300 dollars a mais por ano. Além disso, os preços dos alimentos, das roupas e dos transportes também aumentaram. De repente, essa pessoa pode ter que escolher entre alimentar a família e pagar a renda. Ou talvez, ela tenha de encontrar um lugar mais barato para viver (geralmente mais longe do trabalho) ou até acaba sem-abrigo. É claro que há muitos fatores que entram em conta quando se fala de sem-abrigos e não é apenas pelo aumento dos preços das casas que as pessoas são afetadas. Mas os números recentes mostraram um aumento de sem-abrigos no Canadá.


O que pode ser feito para resolver este problema ?


"Existem várias maneiras de mudar a situação. Por exemplo, as políticas de planejamento (as estruturas que governam como os urbanistas trabalham) podem garantir que haja requisitos para que os empreiteiros do setor privado criam habitações a preços acessíveis. Não é necessario construir mais casas, mas sim garantir que haja moradias acessíveis nos prédios existentes", diz Jamilla Mohamud. Ela acha que os governos também podem fazer mais porque "já faz demasiado tempo que não investem no desenvolvimento de novas moradias acessíveis, principalmente a nível provincial e federal". Ela também acredita que é importante, ao fazer projetos imobiliários, garantir que sejam de boa qualidade e sustentáveis em termos de tamanho e número de apartamentos.


As habitações sociais, um termo que engloba habitação cooperativa, habitação sem fins lucrativos e habitação pública, são uma das soluções para resolver a crise imobiliária. Por exemplo, o modelo cooperativo, isto é uma propriedade coletiva de um conjunto habitacional, pode fazer com que pessoas com salários mais baixos possam viver no mesmo espaço que pessoas com salários mais elevados. "Neste modelo, as pessoas que gahnam mais subvencionam as pessoas que gahnam menos. É uma forma de manter o aluguer baixo, mas também de criar coesão social e comunitária. Certas tarefas como cozinhar juntos, cuidar dos jardins comunitários, limpar ou recolher o lixo são feitas pela comunidade em vez de serem feitas por outras pessoas. É realmente um modo de vida comunitário. Todos têm sua própria casa, mas todos trabalham juntos e têm propriedade coletiva do prédio", explica a urbanista.


A habitação sem fins lucrativos, por outro lado, é um modelo no qual uma organização sem fins lucrativos administra a habitação."Geralmente a organisação pode prestar serviços dentro do prédio e também subvencionar as rendas. Normalmente nestes casos, a organização obtém o terreno e o edifício a uma taxa reduzida. Neste momento, não temos muitas moradias sem fins lucrativos em Toronto porque há poucos investimentos federais para isso", acrescenta Jamilla Mohamud.

Créditos: Anand Maharaj

Os "Land Trust" são outra solução para a crise imobiliária. Embora esse modelo tenha vindo do sul dos Estados Unidos com os agricultores pretos que se organizaram para serem donos das suas terras e se ajudarem uns aos outros, é um modelo cada vez mais comum no Canadá. "Em Toronto e no Canadá, há uma rede forte e cada vez maior de Land Trusts. O maior Land Trust em Toronto é o Parkdale Neighborhood Land Trust. O grupo ajudou-nos muito quando compramos o nosso primeiro prédio. E há cada vez mais Land Trusts a serem criados, são os nossos colegas e ajudamos-nos uns ou outros. A nível nacional, o Community Land Trust da Canadian National Coalition é muito útil porque muitas informações são compartilhadas lá", explica Kevin Barrett, músico e copresidente do Kensington Market Community Land Trust em Toronto.


Os Land Trust são obrigados a adquirir e preservar os terrenos, removendo-os do mercado imobiliário privado para benefício da comunidade. Eles fornecem habitação a preços acessíveis e espaço comerciais. Por exemplo, Kensington Market é um bairro heterogêneo, diversificado e de uso misto em Toronto. Existem muitos pequenos edifícios típicos do bairro com geralmente uma loja no rés-do-chão e habitações no piso superior. Mas em 2013, a alma do bairro quase mudou quando foi planejada a construção de um Walmart (um supermercado americano) na zona oeste do bairro. "Um grupo chamado Friends of Kensington Market uniu-se para impedir a construção do Walmart e, durante as discussões sobre a preservação do caráter do bairro, o grupo percebeu que era necessário um Land Trust. Criaram, em primeiro, um grupo de trabalho que se tornou o Kensington Market Community Land Trust. Em 2017, o grupo foi reconhecido como uma organização sem fins lucrativos em Ontário", diz o músico.


Durante os primeiros anos da organização, o seu trabalho envolveu a criação de uma estrutura organizacional e o desenvolvimento de um plano para a reconstrução de um grande parque de estacionamento municipal no bairro. "Queremos transformar o parque em habitações acessíveis. Mas dá muito trabalho convencer a cidade a disponibilizar esse terreno", acrescenta Kevin Barrett. O Kensington Market Community Land Trust também adquiriu alguns edifícios ao longo dos anos. Eles continuam a arrecadar fundos para adquirir mais edifícios e manter e atualizar seus sistemas. Ao mesmo tempo, a organização está a criar uma campanha de investimento comunitário para vender títulos comunitários. A ideia é que esses títulos serão usados para adquirir propriedades e mantê-las. Para os investidores, os títulos serão como uma doação.


Recentemente, a organização adquiriu dois novos edifícios que estavam à venda porque "havia a ameaça de serem comprados para criar um edifício muito maior", analisa Kevin Barrett. E com a construção de novos edifícios também vem a ameaça de gentrificação.


A gentrificação ocorre quando moradores de certos bairros são expulsos porque prédios novos ou condomínios de luxo são construídos. Isso cria um processo na comunidade em que certas infraestruturas do bairro são criadas para as pessoas que têm salários mais altos e, pouco a pouco, aqueles que ganham menos têm acesso a menos coisas no bairro até não poder mais pagar o próprio aluguer. No geral, o bairro muda em termos de características econômicas e sociais.


Para Kevin Barrett, é necessário apoiar o modelo do Land Trust porque "houve muitas tentativas de construir moradias acessíveis por parte de vários governos ao longo dos anos. Mas, mesmo se as rendas eram baixas no início, uma vez no mercado, já não era o caso porque os investidores queriam ter lucro. Com os Land Trusts, os alugueres permanecem acessíveis porque é para a comunidade e não para fazer lucro. Às vezes pode ser mais caro no início, mas a longo prazo, é uma solução mais económica para os governos e uma solução muito melhor para as comunidades", conclui. Jamilla Mohamud acha que é essencial olhar para as habitações de forma diferente. "Não devem ser vistas como bens. As casas devem ser oferecidas ou estar disponíveis para todos a um certo custo", diz a urbanista. Ela vê o fato de ter um lugar onde viver como uma base para manter as pessoas estáveis em termos de saúde e saúde mental, mas também em termos de educação.

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