“Não quero envelhecer numa sociedade onde só por ser mais velha sou posta de lado e a minha opinião já não conta” expressa Isabel Capelo Rosado, presidente da associação Palhaços d’Opital. A população europeia envelhece cada vez mais e daqui 2050 estima-se que haverá meio milhão de centenários na Europa segundo a Eurostat. No entanto, as sociedades europeias implementam poucas ou nenhumas mudanças para as pessoas idosas. Em Portugal, a Palhaços d‘Opital procura mudar as condições dos idosos nos hospitais.
“No dia da primeira reunião com o hospital de Aveiro, o que o pessoal do hospital partilhou connosco e que foi extremamente marcante para o Jorge e eu foi que as crianças passavam em média 3 dias e meio internados e os seniores uma média de 15 dias. E também era a primeira vez que alguém se oferecia para ocupar-se do resto do hospital e não só da pediatria. Na altura como pedimos diretamente para trabalhar com a medicina interna, o pessoal do hospital ficou bastante surpreendido” conta Isabel Capelo Rosado.
Em 2013 quando ela e o marido, o Jorge Rosado, começaram a pensar no projeto da Palhaços d’Opital, os estudos mostravam que 92% das organizações de palhaços no mundo trabalhavam com crianças. Naquela época, havia um projeto no Canada a trabalhar com os mais velhos mas na Europa não havia nada. Atualmente há cada vez mais organizações de palhaços para crianças hospitalizadas que passaram a ter projetos para os mais velhos.
Mas estes projetos têm uma abordagem bastante diferente da Palhaços d’Opital, segundo a Isabel. “Visitam crianças e pessoas idosas da mesma maneira. Para nós, isto não faz sentido nenhum e é uma das conversas que temos tido com a federação europeia de organização de palhaços na área da saúde. Para mim não faz sentido infantilizar os mais velhos, o que acontece em muitos projetos” revela.
No início, o casal só tinha o hospital de Aveiro como parceiro. Mas pouco a pouco, as parcerias foram aumentando e a associação conta agora com os hospitais da Figueira da Foz, de Viseu, de Matosinhos, de São João e com o IPO de Coimbra. À partir de Junho deste ano, a Palhaços d’Opital vai trabalhar com mais dois hospitais da grande Lisboa. Além da aumentação do número de parceiros, a associação também mudou-se este mês para um novo local em Coimbra para acolhere a equipa que vai passar de cinco palhaços para dez e de uma pessoa no escritório a duas.
Mas se a associação cresce aos poucos e cada vez mais hospitais implementam este tipo de projeto para os utentes mais idosos, o trabalho de palhaço com esta população ainda é bastante desconhecido. “A maior parte das pessoas não faz a mínima ideia do trabalho que leva para criar a personagem de cada palhaço” explica Isabel.
Por ano, os artistas fazem 250 horas de formação: duas vezes por ano com formadores externos que vão mudando as áreas de exploração de acordo com os interesses da equipa e todas as quartas-feiras têm de manhã aulas de canto e música e na parte da tarde estão na Sede da Palhaços d’Opital a treinar as atuações artísticas. No total, cada atuação demora entre três a seis meses a ser pensada, desenhada, ensaiada e testada.
Para a Isabel, o palhaço é talvez uma das figuras mais mal entendidas. Bem que não pareça serio, ele esta sempre muito atento ao mundo e tem uma a postura que vive no agora. “Esta figura treina durante dias um número mas depois tem que o fazer com uma simplicidade como se aquilo lhe tinha acontecido e foi muito imprevisto. As pessoas não sabem mas quando ele tropeça três vezes é exatamente três vezes! Não são duas, nem são quatro, porque há uma regra que diz que à terceira é que se consegue arrancar as maiores gargalhadas. As atuações do palhaço são sempre estruturadas como um crescendo onde tudo é cada vez mais ridículo para arrancar um riso até as pessoas mais sépticas” explica a cofundadora da associação com um riso nos lábios.
No caso da Palhaços d’Opital, as atuações são pensadas para um meio hospitalar, um público adulto, especialmente para um público mais velho e tendo em conta as patologias da demência. As pessoas com demência, principalmente nas fases iniciais, lembram-se dos primeiros vinte anos de vida. “Se trabalhamos com pessoas de 70, 80 ou 90 anos, quer dizer que estas memórias de vida acontecem num Portugal antes do 25 de Abril. Por exemplo, na década de sessenta e início da década de setenta em Portugal as mulheres não usavam calças, só mesmo saia. Por esta razão nenhuma das palhaças usa calças” ela descreve.
As roupas dos palhaços, cosidas pela Isabel, são alusivas à moda da época dos pacientes mas com mais cor. “Muitas vezes entramos num quarto e ouvimos: `Menina! Quando era mais nova tinha uma saia igual a sua!´ Isto é muito bom porque quer dizer que já abrimos uma porta. E funciona com quem tem demência e quem não tem, mas com pacientes com demência é muito importante abrir as portas das memórias para poder trabalhar com eles” esclarece.
Além da roupa, a música tocada pelos palhaços e a forma de tratar as pessoas também é ajustada consoante a idade dos pacientes. Segundo a cofundadora, as atuações dos palhaços são 95% de estrutura e 5% de improvisação que vêm do público. Porque o trabalho para criar as personagens é imenso, os palhaços não são voluntários como noutras associações e a associação cresce lentamente. “Temos muitos hospitais a querer a nossa presença mas não temos a equipa suficiente. Os profissionais de saúde entendem-nos mesmo como uma mais-valia. Recebemos muitas mensagens de médicos a pedir para visitarmos um utente em particular na próxima visita porque sabem que vai ser benéfico para aquela pessoa” declara a presidente.
"Não são atores que vão ao hospital mas sim palhaços porque nada é ridículo para os palhaços e tudo é premitido"
“Um dia recebemos uma mensagem da parte do pessoal de saúde do hospital de Viseu a dizer de passar num quarto onde havia três seniores que tinham tentado cometer suicídio. Um dos senhores do quarto no final da atuação dos palhaços vira-se para a mulher e diz: "o mulher traz me lá o cavaquinho que me tinha esquecido o quanto eu gostava de cantar!" E a sua mulher contou-nos que nunca tinha imaginado que algum dia ele voltasse a querer cantar” conta a Isabel a sorrir. Tendo em conta que a população acima dos 75 anos apresenta a maior taxa de suicídio segundo o Instituto Nacional de Estatística, o trabalho dos palhaços revela-se necessário.
Para a presidente, a Palhaços d’Opital mostra às pessoas que ainda há esperança e que ainda vale a pena sorrir. “E mesmo nos casos onde não há esperança, se olharmos com alegria para o dia, ele acaba por ser um bocadinho melhor” acrescenta. Além disso, a associação constrói uma memória coletiva para os pacientes e o pessoal de saúde que não é alusiva à doença mas à alegria, ao humor e aos afetos. E por vezes, permite ao pessoal de saúde perceber quais são as chaves que abrem a porta das memórias dos pacientes com demência.
“No hospital de Viseu, havia uma senhora numa fase inicial de demência que estava internada há 15 dias, não comunicava com ninguém, nem com os familiares, nem com os profissionais de saúde e não gostava de estar no hospital. Os palhaços tiveram a sorte de chegar ao mesmo tempo que o almoço e perguntaram o que era. Quando lhe responderam que era coelho, eles viram que a paciente torceu o nariz. Então os palhaços começaram a falar de comer coelho, o Doutor Risotto dizia que adorava coelho e a Doutora Donizete Chiclete dizia que os coelhos eram fofos demais para serem comidos. Ao fim de vinte minutos, tinham a equipa médica toda à porta porque a senhora esteve durante vinte minutos a falar de coelhos com os palhaços. Esta história marcou-me muito porque mostra-me a importância dos palhaços e o bem que eles fazem aos pacientes” relembra a Isabel antes de completar: “não são atores que vão ao hospital mas sim palhaços porque nada é ridículo para os palhaços e tudo é permitido. Portanto, se tiverem de falar de coelhos durante vinte minutos e fazer uma tese sobre coelhos eles fazem”.
Segundo os números da associação, o trabalho dos palhaços já alcanço 891’500 pessoas. “As razões que fazem que me levanto todos os dias com vontade de trabalhar são completamente opostas ao que sentia quando era professora. Eu deixei de ser professora porque sentia que não fazia grande diferença. Agora sinto que não tenho um trabalho mas sim uma missão de vida. E também há uma parte de egoísmo do meu lado porque não quero envelhecer numa sociedade onde só por ser mais velha sou posta de lado e a minha opinião já não conta. Portanto, o meu egoísmo vem do fato de eu estar a trabalhar para mudar o mundo onde eu vou ser mais velha um dia” conta a Isabel a rir.
No futuro, ela espera conseguir mais apadrinhamentos através da Amig@ d’Opital para fazer com que a associação continue a crescer garantindo sempre a qualidade das suas intervenções e do seu trabalho. “O sonho seria que em Portugal todos os hospitais tivessem palhaços para as crianças e para os mais velhos. Para nós seria um orgulho se incentivamos outros a fazer o mesmo tipo de trabalho em regiões onde não estamos” conclui.
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