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Foto do escritorAndreia

O que o escândalo da H&M revela sobre a indústria da fast fashion

As marcas de fast fashion, como a H&M, são regularmente acusadas de greenwashing. Para cada acusação, essas empresas apresentam inúmeras ideias para serem mais sustentáveis, mas uma investigação da Aftonbladet, um media sueca, desmascarou uma das maiores técnicas de greenwashing da H&M. Então o que aconteceu? E quão verdadeiramente sustentável pode ser uma marca de fast fashion?



Em junho, um media sueca publicou uma investigação sobre o que acontece com as roupas colocadas nos caixotes para reciclagem da H&M. A empresa de roupa sueca lançou um programa em 2013 para reciclar roupas. E hoje, a marca tem o programa de reciclagem em loja mais estabelecido, com caixotes em muitas de suas mais de 4.200 lojas em todo o mundo. A ideia é que as pessoas venham às lojas, coloquem suas roupas nas caixas e recebam um "voucher de agradecimento", ou seja um desconto na próxima compra.


Depois, três cenários diferentes podem acontecer, de acordo com a H&M. "As roupas em boas condições são comercializadas como roupas de segunda mão" e podem ser compradas no site H&M Rewear. "Se as roupas ou tecidos não são adequados para serem reutilizados, são transformados noutros produtos para a colleção Remake ou para panos de limpeza". No terceiro cenário, as roupas que não foram reutilizadas "são trituradas em fibras têxteis e usadas para fazer, por exemplo, materiais isolantes". A empresa também explica no seu site que tem uma parceria com I:Collect, uma iniciativa de sustentabilidade bem conhecida na indústria têxtil, e que a triagem ocorre numa fábrica fora de Berlim.


Em teoria, as roupas deitadas nas caixas de reciclagem das lojas H&M seriam reutilizadas ou reaproveitadas. Ou pelo menos é o que a empresa promete com seu programa de reciclagem. Mas de acordo com os jornalistas do Aftonbladet, isso não é verdade: é simplesmente greenwashing.


Então, o que a investigação revelou?


Os jornalistas suecos entregaram dez peças de roupa equipadas com air tags (um tipo de localizador que usa tecnologia Bluetooth) em oito lojas diferentes da H&M em Estocolmo e nos arredores. Semanas depois, todas as peças já estavam fora da Suécia e foram parar em três oficinas de triagem diferentes na Alemanha. Mas nenhum dos endereços era a fábrica de triagem da I:Collect, como a H&M declarou em seu site.


Em resume, a investigação revela que as roupas emitiram mais dióxido de carbono do que o esperado para um programa que supostamente é sustentável. No total, os jornalistas estimaram que as dez roupas juntas viajaram 5.792 milhas ou 9.321 km. Mas as roupas não só foram de um lugar para o outro, algumas delas também acabaram em depósitos de roupas. Por exemplo, uma das peças foi para a cidade de Cotonou no Benin, outra foi para Joanesburgo na África do Sul e outra foi para a cidade de Panipat no norte da Índia. Lá, algumas roupas podem ser reutilizadas por alguém, mas a maioria acaba queimada ou em aterros sanitários.


Após a publicação do artigo, a H&M explicou que é "categoricamente contra o desperdício de roupas" e vai contra o seu "trabalho para criar uma indústria da moda mais circular". "Sabemos que ainda existem desafios associados à recolha e reciclagem de roupa e têxteis, mas também vemos que estão a ser desenvolvidas soluções na reciclagem de têxteis, o que é muito positivo. O grupo H&M está a trabalhar ativamente nesta questão e investe também em tais soluções.


A empresa sueca também fechou a página com as informações sobre a colaboração com a I:Collect, explicando que não trabalha mais com eles e que começou a trabalhar com a Remondis em 2023. Após a investigação, os jornalistas pediram que as duas empresas de triagem comentassem sobre o assunto e ambos declararam que "ocupam-se apenas de roupas em bom estado para vende-las depois e, portanto, não se consideram como contribuidor do problema ambiental".


Será então que a H&M e essas empresas de triagem estão realmente a fazer o melhor e a investigação apenas identificou o trabalho que resta a fazer? Será que elas não têm consciência do que está a acontecer?


Na minha opinião, elas sabem muito bem o que está a acontecer. O que os jornalistas suecos descobriram não é uma coincidência, mas sim a realidade da indústria da moda. E independentemente do que essas empresas dizem, elas são conscientes do que fazem e não querem mudar nada.


Para fazer uma única t-shirt de algodão são necessários 2700 litros de água. Isso é o suficiente para satisfazer as necessidades de uma pessoa por 2,5 anos.

Ao consultar o site das duas empresas de triagem, não pude deixar de achar irônico certas frases: "quase 150 milhões de toneladas de roupas e sapatos são vendidas no mundo todos os anos. A maioria acaba em aterros ou é incinerado em vez de ser reutilizado ou reciclado, desperdiçando recursos valiosos e causando grandes danos ao meio ambiente".


De acordo com o Serviço de Estudos do Parlamento Europeu (EPRS), menos de metade das roupas usadas são, de facto, recolhidas para reutilização ou reciclagem. E apenas 1% das roupas usadas são transformadas em novas porque as tecnologias que permitem a reciclagem de roupas em fibras virgens ainda são recentes. Isso também ocorre porque muitas das nossas roupas são feitas de fibras misturadas, para que não se quebrem facilmente. Além disso, reciclar algodão e lã, por exemplo, diminui a qualidade do material. Mas a H&M já sabe disso. A empresa quer que os consumidores acreditem que reciclar é fácil, embora a H&M saiba que não é.


Um exemplo disso é a coleção Remake. Quando alguém mete as suas roupas nos caixotes de reciclagem, uma das opções é fazer roupas novas com as velhas. Quando procurei a coleção Remake online e tentei marcar um encontro para criar nova roupa com peças velhas, a página não funcionava. O site não tem informações de contato e, para além das fotos de uma fábrica na Suécia, não há nenhuma informação sobre como funciona a coleção, a quem podemos pedir ajuda, nada. Não sei quantas roupas novas foram feitas com as velhas pela H&M, mas acredito que sejam muito poucas.


Mas o problema não está apenas no que acontece com as roupas quando estamos cansados delas. A produção de têxteis é muito dispendiosa, requer muita água e terra. De acordo com o EPRS, para fazer uma única t-shirt de algodão são necessários 2700 litros de água. Isso é suficiente para para satisfazer as necessidades de uma pessoa por 2,5 anos. O setor têxtil foi a terceira maior fonte de degradação da água e uso da terra em 2020, segundo a Agência Europeia do Ambiente.


Além disso, marcas de fast fashion como a H&M costumam optar por fibras sintéticas porque são mais baratas e a lavagem de produtos sintéticos causa a acumulação de mais de 14 milhões de toneladas de microplásticos no fundo dos oceanos. Estima-se que a indústria da moda também seja responsável por 10% das emissões globais de carbono, ou seja mais do que voos internacionais e transporte marítimo combinados.


Mais uma vez, a H&M já sabe disso. A razão pela qual a empresa mantém o foco na reciclagem têxtil é porque assim parece que está a fazer algo para o planeta quando, na realidade, é preciso mudar completamente o modelo de produção para criar mudanças significantes.


Por exemplo, quando alguém quer vender as suas roupas com o programa H&M Rewear, a marca continua a ganhar dinheiro. No site da Rewear, está escrito que "15% do preço de venda será deduzido pela Rewear. Se optar por receber o pagamento com um cartão presente H&M, receberá um acréscimo de 20% no seu preço de venda". Quando as pessoas colocam roupas nas caixas de reciclagem das lojas, ganham um desconto na próxima compra. Esses exemplos mostram como a H&M tenta direcionar a atenção dos consumidores. "O problema é a reciclagem e não a produção", parece dizer a H&M.


Para a indústria de fast fashion, é melhor apontar o dedo para os consumidores e fazê-los acreditar que eles são o problema porque consomem demais. Felizmente para nós consumidores, estas marcas têm a solução para o nosso problema: podemos continuar a comprar sem nos preocuparmos porque vão reciclar o que já não usamos ou não gostamos…

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