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A sustentabilidade nos bairros mais pobres de Toronto

Quando as pessoas estão preocupadas em sobreviver, faz sentido preocupar-se com a crise climática? Será que há espaço para as práticas sustentáveis nos bairros mais pobres? Zeina Seaifan, com mestrado em Meio Ambiente e Sustentabilidade da Universidade de Toronto, fez essas perguntas no contexto de um dos bairros mais desiguais da cidade de Toronto.



Zeina, sua pesquisa focalizou-se no bairro de Taylor-Massey, localizado entre East York e Crescent Town, na área metropolitana de Toronto. Porquê este bairro?

Esta pesquisa foi feita num ano só porque era a minha tese de mestrado e, portanto, não pude fazer um estudo extenso sobre vários bairros e tive que concentrar-me num bairro para entender profundamente o assunto. Ou seja, esta tese é um estudo de caso com suas limitações. Dito isto, este estudo tem o potencial de abrir caminho para mais pesquisas sobre este tema.


Quando comecei, quis perceber a configuração dos bairros de Toronto. Queria saber quais eram os dados demográficos da cidade e como eles variavam entre si. Foi assim que me deparei com a Estratégia de Bairros Fortes de Toronto. É um plano de ação que visa documentar e encontrar soluções aos problemas nos bairros mais desiguais da cidade. No total, 31 bairros beneficiam deste programa e Taylor-Massey é um deles.


O que me chamou a atenção no bairro de Taylor-Massey foi a sua população muito grande e racializada, composta principalmente por comunidades do sul e do sudeste asiático, especificamente do Paquistão, Índia, Bangladesh e Filipinas. Outra coisa interessante que descobri foi que o bairro tinha uma percentagem maior de população vinda da imigração do que a cidade de Toronto – o que foi surpreendente para mim. As estatísticas de 2016 mostram que 56,2% dos habitantes de Taylor-Massey são imigrantes. Para Toronto, é 51,2%.


Então, depois de identificar o bairro que desejava estudar, qual foi o próximo passo?

O objetivo deste estudo foi compreender como as comunidades diaspóricas racializadas de Toronto adotam, acedem, compreendem e identificam estilos de vida sustentáveis. Mencionei anteriormente a Estratégia de Bairros Fortes de Toronto; este programa reúne residentes, organizações sem fins lucrativos, empresas locais e agências comunitárias para trabalhar em diferentes áreas, como saúde, educação e sustentabilidade.


Em termos de sustentabilidade, as organizações oferecem vários workshops sobre sustentabilidade e meio ambiente, como jardinagem, programas de ciclismo ou programas de liderança para educar a comunidade sobre sustentabilidade. Utilizei estas atividades para explorar a experiência das pessoas que vivem em Taylor-Massey. Ou seja, fiz observações etnográficas, o que significa que eu ia ao local, agia como membro da comunidade e participava nas mesmas atividades que eles, enquanto lhes fazia perguntas informais sobre a sua experiência com o ambiente e a sustentabilidade. E também, entrevistei-os num contexto mais formal.



E o que encontrou?

Antes de conversar com os moradores de Taylor-Massey, já antevia que haveria "environmental othering". Isto significa basicamente que as pessoas categorizam, distinguem e alienam aqueles que não se enquadram nas normas sociais no contexto do ambientalismo e da vida sustentável. Embora este fenômeno ocorreu algumas vezes durante a minha pesquisa, não foram tantas vezes quanto esperava.


Por exemplo, participei num programa de jardinagem que era muito pequeno e com poucos participantes. Por um lado, isso é ótimo porque os participantes têm a possibilidade de aprender uns com os outros e não há desequilíbrio de poder óbvio. Mas por outro lado, notei que os participantes que têm personalidades mais assertivas conseguem definir o clima social.


Ou seja, quando novos participantes racializados vêm participar as atividades e querem aprender os valores e padrões ocidentais, muitas vezes, podem sentir-se deixados para trás na conversa se não estiverem envolvidos no mesmo tipo de atividades que aqueles com personalidades assertivas. Além disso, esse sentimento também vem dos media, onde "ser branco" é frequentemente associado à sustentabilidade.



Na sua pesquisa, você explora a ideia de que "ser branco é ser mais sustentável", especificamente porque faz parte dos mitos de exclusão que algumas pessoas racializadas acreditam. O que são esses mitos?

Mitos de exclusão são frequentemente discutidos na literatura acadêmica e não fiquei surpreendida ao ver isso também na minha pesquisa. No caso do meu estudo, tem a ver com a crença de que as práticas relacionadas com a sustentabilidade são destinadas, em grande parte, às pessoas brancas.


Por exemplo, alguns participantes disseram-me que achavam que os brancos faziam mais caminhadas na natureza do que eles. Acho que esse sentimento é um sinal de alerta porque esses participantes sentem que podem aprender muito com os brancos, mas não vêm que eles também podem compartilhar conhecimentos. Em vez de ver as interações nestes programas como uma rede bilateral onde ambos têm práticas para compartilhar, vêm uma relação unilateral de cima para baixo. E isso é prejudicial.


Em Taylor-Massey, organizações sem fins lucrativos tentam fortalecer o relacionamento entre o indivíduo e o ar livre durante as atividades para neutralizar esse fenômeno. Assim, aumentam a autoestima dos participantes e também incentivam um maior envolvimento a médio e curto prazo com estilos de vida sustentáveis. Mas às vezes, essas iniciativas não funcionam…


"Acho que é necessário reconhecer que essas práticas não-ocidentais são sustentáveis e são igualmente importantes para o meio ambiente"

O que você quer dizer?

Por exemplo, participei num programa com workshops semanais sobre temas sustentáveis, como "zero waste" (nenhum desperdício). Curiosamente, ninguém explicou o que significava "zero waste". Por vezes, existe uma desconexão entre as conversas, as práticas e os termos usados. Para os participantes, conhecer o vocabulário específico é vital para compreender as práticas sustentáveis ocidentais.


Além disso, essas atividades nem sempre eram relevantes para a comunidade. Muitas vezes, embora os participantes valorizassem as práticas aprendidas nos workshops, nem sempre as integravam nas suas vidas porque nem sempre era a principal prioridade para eles.


Acabou de mencionar as práticas sustentáveis ocidentais, um tema que aprofundou na sua tese. Pode entrar em detalhes sobre isso?

Descobri que os residentes de Taylor-Massey efetuam outras práticas sustentáveis no quotidiano que têm mais proximidade com sua cultura. Muitas vezes pensamos na sustentabilidade com um ponto de vista ocidental, mas existem outras formas de resolver os problemas climáticos.


Voltando aos mitos de exclusão, certas pessoas – mesmo que vivam em frente ao edifício onde decorrem algumas das atividades – não vão necessariamente utilizar os serviços existentes, a menos que os seus vizinhos ou amigos os convidem ou encorajem a vir.


As relações interpessoais – através do passa-palavra ou da partilha de conhecimentos – desempenham um papel importante para que os residentes locais participem nos programas sobre sustentabilidade. Ajuda-os a superar barreiras e a envolver-se em práticas sustentáveis, permitindo-lhes partilhar conhecimentos sustentáveis ocidentais e não ocidentais.


Por exemplo, um participante compartilhou uma técnica compostagem que veio de Bangladesh e agora na comunidade de Taylor-Massey as pessoas também usam essa técnica.


Quais são as próximas etapas, agora que terminou sua pesquisa?

O que percebi enquanto pesquisava é que é importante estabelecer uma ponte entre as práticas culturais que os residentes racializados têm e as práticas ocidentais. Também penso que é necessário reconhecer que estas práticas não-ocidentais são sustentáveis e são igualmente importantes para o meio ambiente: não só para os residentes dos bairros pobres combaterem mitos prejudiciais, mas também para as organizações que oferecem estes tipos de programas.


Além disso, o meu estudo mostra que estas organizações precisam de continuar a utilizar certas práticas, como o passa-palavra, para envolver mais pessoas. Espero que esta pesquisa não seja a última sobre o tema e que outros explorem mais esses bairros desiguais para melhorar o plano de ação de Toronto no futuro.

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